A preocupação com a saúde deveria ser pauta prioritária em nossas vidas, fazendo com que não apenas cada indivíduo aja para ser mais saudável e ter uma melhor qualidade de vida, mas também com que os governos e organizações também criem leis que auxiliem nesse processo. No Brasil, muitas doenças e situações de risco já foram erradicadas e/ou tiveram uma redução significativa nos últimos anos em função de medidas estratégicas que foram tomadas, uma delas está relacionada ao consumo de cigarro.
Nosso país está entre os que tiveram destaque na redução do consumo do cigarro desde 2010. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), conseguimos diminuir 35%, sendo que o objetivo estabelecido pela OMS para o Controle do Tabaco era o de que os países reduzissem 30% entre 2010 e 2025. Essa mudança foi possível devido a várias ações aplicadas, como a criação de espaços e áreas específicas para fumantes, a restrição de publicidade sobre esses produtos, a possibilidade de realizar tratamento no sistema público de saúde para largar o vício e o esforço para aumentar a conscientização dos brasileiros.
Essa queda no consumo de cigarro e número de fumantes também aconteceu no grupo de pessoas que possuem filhos e/ou são responsáveis por gerações mais novas, que foi de 31% para 24%. A mudança de comportamento, principalmente nesse grupo, é um fato positivo a considerarmos e, a partir disso, um dos nossos primeiros pensamentos é: se os pais reduziram o consumo do cigarro, a probabilidade dos filhos fumarem é muito menor, o que significa que as novas gerações terão uma saúde bucal com muito mais qualidade que as anteriores, certo? Sim, mas, infelizmente, não é essa a realidade que vivemos hoje porque nos últimos anos um novo inimigo ganhou força e espaço no dia a dia dos jovens.
O inimigo é outro
O cigarro convencional, que antes era moda e sinônimo de “status”, saiu de cena e abriu espaço para os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, pods, e-cigarette, e-pipe, entre outros.
O dispositivo, que hoje tem design para todos os gostos e estilos, foi inicialmente desenvolvido em 2003 por Hon Lik, um farmacêutico chinês que tinha como objetivo auxiliar os usuários do cigarro convencional a largarem o vício. A ideia era a de oferecer uma opção que tivesse um número menor e até mesmo a ausência de substâncias tóxicas ao organismo para que as pessoas fossem gradualmente deixando de fumar. Mas o que parecia ser uma estratégia inovadora lá atrás, acabou virando uma dor de cabeça nos dias atuais.
O número de pessoas que passaram a consumir o cigarro eletrônico não apenas dobrou, mas quadruplicou entre 2018 e 2022, indo de 500 mil para 2,2 milhões, de acordo com o IPEC. Ele ganhou a atenção principalmente dos jovens que cada vez consome mais e em diversos momentos do dia, não apenas em baladas, festas e eventos noturnos. Veja abaixo a pesquisa feita pela Unesp em relação aos perfis de quem consome o cigarro eletrônico.
Fonte da Imagem: Unesp
Apesar da venda ser proibida pela Anvisa em território nacional desde 2009, o acesso é facilitado por meio do mercado clandestino que aumenta a cada ano. Só no Brasil, de acordo com dados da Receita Federal, a comercialização do cigarro eletrônico movimenta em torno de 7,5 bilhões de reais por ano.
Como o consumo de cigarro eletrônico impacta na saúde bucal
Quando o assunto tabagismo, consumo de cigarros e suas consequências para a saúde estão em pauta, normalmente são esses os principais riscos mencionados: surgimento de câncer, doenças respiratórias e cardiovasculares. Porém, as pessoas acabam esquecendo dos riscos que o consumo do cigarro pode gerar à saúde bucal e o seu papel como profissional é o de orientá-los para evitar futuros problemas bucais.
O cigarro tradicional é prejudicial à boca, dentes e gengiva principalmente por conter tabaco, o qual pode ocasionar câncer de boca, doença periodontal, escurecimento dos dentes e halitose (mau hálito). Apesar do cigarro eletrônico não ter tabaco, possui nicotina, uma substância presente no tabaco que estimula a produção de dopamina no organismo e que também gera riscos à cavidade bucal. A nicotina pode afetar o esmalte dentário, escurecendo a pigmentação do dente, ou seja, a cor natural dele, assim como também pode agir no fluxo sanguíneo das gengivas, causando uma vasoconstrição e aumentando a probabilidade de ter doença periodontal.
Uma pesquisa publicada no Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, feita com pessoas de cinco países distintos (Arábia Saudita, Estados Unidos, Polônia, Iémen e Itália), mostrou que o consumo de cigarro eletrônico tem uma relação direta com:
- Candidíase na cavidade oral;
- Periodontite leve a moderada;
- A alteração físico-química da saliva, mudando valores e pH e concentração de proteínas, cálcio e fosfatos;
- Sintoma de boca seca;
- Língua mais escura;
- Perda da capacidade antioxidante da saliva.
O sintoma de boca seca ocorre em função da inalação do vapor quente que sai do cigarro eletrônico. Ao ingerir ou aspirar o ar quente, a mucosa bucal sofre uma desidratação, fazendo com que as membranas mucosas ressequem e as vias aéreas superiores fiquem irritadas. Além dessa situação, o fato de ter a boca seca aumenta a probabilidade de ocorrência de cárie dentária e outros problemas gerados pelo maior número de bactérias presentes na boca.
Fora os riscos já mencionados, há ainda um outro fator relacionado ao cigarro eletrônico que nos preocupa: a quantidade de açúcar presente nesses dispositivos. Um dos motivos que faz com que os jovens se sintam atraídos pelo cigarro eletrônico é o fato dele ter aromas distintos que imitam frutas e produtos industrializados como balas, chicletes e certos tipos de bebida. Esses aromas são gerados por líquidos que contém uma quantidade significativa de açúcar, ou seja, quanto maior for o consumo, maior a quantidade de açúcar presente na boca, dentes e gengiva, e, consequentemente, maiores são as chances de desenvolver cárie e doenças periodontais.
Nosso papel como profissionais da área da odontologia não é apenas orientar quem já possui o hábito de fumar, mas trabalhar também para conscientizar as novas gerações em relação aos malefícios e riscos do cigarro eletrônico. É necessário explicar que, apesar de estarem na “moda”, o dispositivo esteticamente atrativo aos olhos pode gerar danos à saúde geral e bucal que impactam na qualidade e longevidade de vida.