Você já se questionou o porquê nós, dentistas, orientamos que as pessoas que possuem dentes separados realizem um tratamento para aproximá-los e eliminar os espaços entre eles? Grande parte das pessoas acredita que seja por estética e ainda há aqueles que acham que é por dinheiro. Porém, a verdade é que a recomendação tem como objetivo melhorar a qualidade de vida de quem atendemos, porque esse espaço, que à primeira vista parece inofensivo, pode ser prejudicial a saúde bucal e, consequentemente, a emocional e a física.
As possíveis consequências do espaçamento entre os dentes não são tão conhecidas pelos brasileiros, o que não é surpresa para quem trabalha na área da odontologia já que os dados do Ministério da Saúde assustam. Mais da metade da população, cerca de 60%, não possui acesso a serviços odontológicos de qualidade e 55% das pessoas não vão ao dentista nem uma vez ao ano. Isso é preocupante, porque cuidar da saúde bucal não se restringe a apenas tratar um canal ou uma cárie, existem outros fatores e questões silenciosas que precisam ser tratados para que lá na frente não vire um incômodo e prejudique a qualidade de vida. Uma dessas questões é o espaço entre os dentes e hoje você vai entender o motivo.
O equilíbrio do nosso Arco Dentário
Vamos começar imaginando o formato de um ovo. Vai concordar que tem um formato oval, que a casca é resistente e que se dividirmos exatamente no meio temos a parte superior igual a inferior. Se apertarmos o ovo com as mãos, sem usar tanta força, ele não quebra (tanto que na maioria das vezes precisamos de auxílio de um talher para fazer um furo ou mesmo dar leves batidinhas na panela ou bancada para abrir). Se dividirmos essa casca em duas partes, encaixarmos novamente, sem perder nenhum pedacinho, e tentarmos apertar mais uma vez, também não vai quebrar. Agora, se tiver alguma parte da casca faltando, vai.
O mesmo processo acontece com o nosso arco dentário, o qual também tem um formato oval e que precisa lidar com forças que surgem de fora para dentro. Quando o arco possui todos os pontos de contato em equilíbrio, ou seja, quando juntamos o arco superior com o inferior e não temos espaço em nenhuma parte, as forças externas são aplicadas e se anulam no centro fazendo com que o arco permaneça estável, como na imagem abaixo:
Agora, quando há uma falha em um ou mais pontos de contato, a força externa que entra ali acaba não sendo a mesma da que vem do lado oposto, gerando o desequilíbrio do arco dentário, como nesta outra imagem:
A união desses pontos em perfeito equilíbrio para que as forças externas atuem mantendo o arco dentário estável é o que chamamos de Polígono de Roy, uma teoria em 1930. E o que ela nos ensina? Que se não houver espaços entre os dentes, o equilíbrio da nossa arcada dentária permanece intacto, mas quando há, por menor que seja, perdemos os pontos de contato entre os dentes e as forças não entram e se anulam corretamente, provocando alterações no arco dentário.
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Por que o espaço entre os dentes surge?
O espaçamento entre os dentes é o que dentro da odontologia chamamos de diastemas. Eles podem ser naturais, ou seja, espaços que foram formados naturalmente pela arcada dentária sem interferência externa (e esses são muito bem-vindos até certo ponto), e também podem ser diastemas não naturais, que surgem por algum fator externo e não natural do corpo.
Esses fatores externos podem ser a perda ou extração de um dente, a presença de bruxismo ou apertamento dentário, a Dimensão Vertical de Oclusão (DVO)…são diversos os fatores e cada pessoa tem um nível de gravidade em relação a eles, o qual deve ser examinado por um profissional qualificado para tratar o mais cedo possível.
Vou explicar sobre algum desses casos para você compreender o porquê esse espaçamento pode ser tão prejudicial a sua saúde e bem-estar.
Espaço entre os dentes na infância:
Este é um caso que inicialmente surge como diastema natural, mas que pode provocar consequências negativas ao longo do desenvolvimento dos dentes. Na arcada dentária das crianças, o espaço livre que encontramos chama-se Espaço Livre de Nance e é bem-vindo, pois é isso que assegura o local para os dentes permanentes que são relativamente maiores que os dentes de leite.
A perda e troca dos dentes não é o problema, até porque é um processo natural do corpo. O problema surge quando perde-se o primeiro molar e o segundo molar passa a se movimentar para frente, dando a impressão de que o espaço fechou e que está tudo certo. Mas não está, porque o espaço não foi fechado por inteiro e o segundo molar não se movimenta por completo, ele acaba ocupando o espaço de forma inclinada, fechando o arco mas não mantendo os pontos de contato. Qual a consequência? O arco dentário fica em desequilíbrio.
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Espaço entre os dentes ocasionado por perda ou extração:
Em alguns casos, a pessoa possui a arcada dentária correta, com os pontos de contato em perfeita sintonia, porém, em função de um acidente ou falta de cuidado com a higiene bucal, acaba ocorrendo uma fratura ou cárie no dente, por exemplo. Pode ser que o dente quebre por completo ou parcialmente, caia, seja destruído em algum dos lados, tudo vai depender da situação e de como lidar com ela.
O ponto é que a partir do momento que você perde um dente ou extrai e não o repõe, quebra-se o equilíbrio do arco dentário porque agora há espaço. O erro da maioria das pessoas em situações assim é ir ao dentista fazer uma restauração ou repor o dente, porém não devolver a largura ideal, sem restabelecer o ponto de contato correto, fazendo com que exista espaço. Qual a consequência? A arcada dentária também fica em desequilíbrio e começa a sofrer movimentações prejudiciais.
Espaço entre os dentes pode ocasionar perda de DVO:
A perda de Dimensão Vertical de Oclusão (DVO) pode ser ocasionada pela perda de dente, apertamento dentário (bruxismo) ou mesmo a mastigação feita de maneira incorreta. Ou seja, quando perdemos um dente ou desgastamos eles mais de um lado do que o outro, ou os dentes detrás mais que os da frente, há perda de altura da mordida e a estrutura dentária se movimenta inclinando ou entortando os dentes, gerando espaços que antes não existiam ou acentuando o que já estavam presentes. Novamente, o arco dentário fica instável e perde o equilíbrio das forças.
Problemas além do desequilíbrio do Arco Dentário
Além do fato de desequilibrar o arco dentário, o espaço entre os dentes pode ocasionar outros incômodos e doenças bucais.
Quando a largura ideal do dente não é recuperada de forma correta, deixando os espaços, ao mastigar, o alimento acaba entrando no local que agora existe. O alimento ali presente pode comprimir a gengiva, que é um tecido vivo e bem sensível. Quanto mais compressão, mais irritado o tecido fica.
Inicialmente, essa compressão que leva a irritação da gengiva pode gerar apenas um desconforto em função da pressão que o alimento faz no local, mas com o passar do tempo, de tanto o alimento pressionar ou mesmo a própria pessoa ocasionar essa pressão com o fio dental para remover o alimento, a gengiva vai ficando cada vez mais irritada. Qual o próximo estágio? Inflamação e todo processo inflamatório na gengiva gera toxinas, as quais podem ocasionar um problema periodontal e agora tem-se um novo desafio.
A partir do momento que a doença periodontal surge, a gengiva passa a não ter apenas inflamação, passa a ter uma porta aberta para que microorganismos ali se instalem e desenvolvam um processo infeccioso, quebrando a homeostase do tecido, prejudicando o osso e criando uma bolsa periodontal. Com o tempo, perde-se a inserção óssea do dente, que amolece e a pessoa o perde, não só pelo amolecimento em si, mas também por outras complicações que afetam no ápice (a ponta) do dente, como a inflamação no nervo, gerando a famosa dor de dente e às vezes criando problemas de canal.
Fora ter que lidar com um possível processo inflamatório e doença periodontal, o espaço entre os dentes também gera desconforto social em situações nas quais não está sozinho(a). Imagine que você está em um evento importante da sua carreira e/ou vida, um almoço, jantar ou mesmo um coquetel. Você pega algo para comer, mastiga, o alimento entra no espaço disponível entre os dentes e ali fica pressionando a gengiva, fazendo com que sua primeira reação seja passar a língua para tentar retirar ou mesmo enfiar um palito ou fio dental. Mas e se com a língua não consegue remover e não há palito na mesa ou mesmo fio dental com você ou no banheiro do evento? Já imaginou que o desconforto pode perdurar até você chegar em casa e estragar o seu momento?
Por isso reforço não apenas a necessidade de cuidado com a higiene bucal, mas também que cada vez mais as pessoas consultem profissionais qualificados que tratem da saúde bucal olhando para todos os aspectos e buscando restabelecer a estrutura dentária antes de iniciar um tratamento ortodôntico, por exemplo. É o que venho fazendo ao longo de todos esses anos e o que transmito também aos profissionais da minha clínica e aos meus mentorados.
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Dica para Brilhar os Dentes: Como saber se você tem espaço?
Nem sempre o espaçamento entre os dentes é perceptível, mas você pode descobrir se tem espaço ou não com o uso do fio dental. Se ao passar entre os dentes, você perceber que foi muito fácil, ou seja, o fio não teve resistência na hora de fazer entrar e sair, provavelmente já tem espaço ali e minha recomendação é agendar uma consulta no dentista. É preciso que exista uma certa dificuldade na hora de passar o fio dental. Se passou livremente, tem espaço.
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